11 março, 2006

Poder Constituinte


Introdução:

Quem teorizou acerca do Poder Constituinte foi o abade de Sieyès, pensador e revolucionário francês do século XVIII. Em fevereiro de 1789 ele publicou um panfleto revolucionário intitulado, “O que é o terceiro Estado?”. Este panfleto continha as reivindicações da burguesia, que foram conquistadas com a revolução francesa.

A nação existe antes de tudo, ela é a origem de tudo. Sua vontade é sempre legal, é a própria lei. Antes dela e acima dela só existe o direito natural. Se quisermos ter uma idéia exata da série de leis positivas que só podem emanar de sua vontade, vemos, em primeira linha, as leis constitucionais que se dividem em duas partes: umas regulam a organização e as funções do corpo legislativo; as outras determinam a organização e as funções dos diferentes corpos ativos. Essas leis são chamadas de fundamentais não no sentido de que se podem tornar independentes da vontade nacional, mas porque os corpos que existem e agem por elas não podem tocá-las. Em cada parte a Constituição não é obra do poder constituído, mas do poder constituinte. Nenhuma espécie de poder delegado pode mudar nada nas condições de sua delegação. É neste sentido que as leis constitucionais são fundamentais. As primeiras, as que estabelecem a legislatura, são fundadas pela vontade nacional antes de qualquer constituição; formam seu primeiro grau. As segundas devem ser estabelecidas por uma vontade representativa especial. Deste modo todas as partes do governo dependem em última análise da nação" (Emmanuel Joseph Sieyès)

Na França revolucionária (1789) foram superadas as velhas teorias que determinavam a origem divina do poder, afirmando a partir de então que a nação, o povo (seja diretamente ou através de uma assembléia representativa), era o titular da soberania, e, por isso, titular do Poder Constituinte. Entendia-se então que a Constituição deveria ser a expressão da vontade do povo nacional, a expressão da soberania popular”. (José Luiz Quadros de Magalhães)

O Poder Constituinte, portanto, é poder constituído e não fruto de qualquer outro poder. Sieyès estabeleceu essa distinção partindo da idéia de “nação” (despossuída de organização política), a partir do momento em que a nação passa a ter organização política ela se transforma em Estado.

O Estado é a nação politicamente organizada e, dessa organização é que brotam os três Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. (que na verdade são funções, já que o Poder Político é soberano, único, indivisível e indelegável, como regra)

Sendo fruto do Poder Constituinte, a Constituição não é produto de nenhum desses “Poderes”, porque esses “Poderes” é que são produtos da Constituição. O Poder Constituinte antecede à organização política do Estado, existe num momento anterior à organização política do Estado.

Sendo o Estado um ente, uma pessoa política, que manifesta sua vontade através de seus órgãos diretivos, quais sejam, quando diz lei através do Poder Legislativo (Estado-legislador); pelo ato administrativo através do Poder Executivo (Estado-administrador) e, se o caminho for o Poder Judiciário, sua manifestação de vontade se dá através da decisão judicial (sentença ou acórdão), é o Estado-juiz.

Nenhuma dessas manifestações (lei, ato administrativo ou decisão judicial) tem o poder de criar ou alterar o texto constitucional, porque o que vige é o princípio da supremacia da Constituição. A Constituição tem por origem uma manifestação da vontade da nação e não uma manifestação de vontade do Estado.

A lei, o ato administrativo e a decisão judicial são manifestações de vontade do Estado, mas a Constituição é produto de manifestação da vontade da nação.

Em resumo, o Poder Constituinte é o fundamento de validade da Constituição, que por sua vez, é o fundamento de validade dos “Poderes” do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário), de onde emanam a lei, o ato administrativo e a decisão judicial (acórdão ou sentença).

Conceito:

Pode-se conceituar Poder Constituinte como o poder de criar ou reformar (revisar ou emendar) a Constituição.

No Brasil, face ao sistema federativo instituído e consagrado desde a Constituição Republicana de 1891, os Estados-membros integrantes da federação, possuem competência para organizarem-se conforme suas Constituições Estaduais, bem como, de acordo com as leis adotarem, desde que, seus ordenamentos jurídicos próprios não firam aos ditames da Constituição Federal.

Art. 25 da CF/88 - “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”.

Então, se os Estados-membros podem criar e reformar suas Constituições, ainda que somente no âmbito estadual, também há o exercício do Poder Constituinte. Assim, ampliando o conceito inicial de Poder Constituinte, define-se a este como o poder de criar e de reformar a Constituição e, no Estado Federado, de organizar os Estados-membros.

Na federação brasileira, existem 26 Estados-membros, e cada um possui a sua Constituição. O Distrito Federal, face as sua característica “híbrida” de funcionamento, ora com competência própria de Estado-membro, ora com competência municipal, não possui uma Constituição, tendo como referencial máximo de sua organização a Lei Orgânica.

No dizer de Nagib Slaibi Filho, enquanto na Constituição passada, “o Distrito Federal é mais que um Município e menos que um Estado”, sob o regime constitucional atual afirma: “é um super-Estado pois o art. 32 lhe assegura a autonomia política pela eleição direta do Governador e do Vice-Governador, bem como dos deputados distritais que comporão sua Câmara Legislativa e, além disso, que ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios”.

Art. 32 - O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição.
§ 1º - Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios.
§ 2º - A eleição do Governador e do Vice-Governador, observadas as regras do art. 77, e dos Deputados Distritais coincidirá com a dos Governadores e Deputados Estaduais, para mandato de igual duração.
§ 3º - Aos Deputados Distritais e à Câmara Legislativa aplica-se o disposto no art. 27.
§ 4º - Lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do Distrito Federal, das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros militar.


Titular e exercentes do Poder Constituinte

Observação:

Isoladamente afirmamos que o titular do Poder Constituinte é quem detém a soberania. Nos Estados democráticos, a titularidade pertence ao povo, decorrendo a soberania da vontade popular. Nesses Estados, o consenso (consensus), que não equivale a unanimidade, é o fundamento de validade do Poder Constituinte.

Já nos Estados totalitários, onde o Poder do Estado foi obtido através da força, o titular é quem detém o Poder, para criar ou modificar a Constituição, independentemente da vontade popular, confundindo-se titular e exercente em uma só pessoa.

Afirmam os autores, em esmagadora maioria, ser o povo o titular do Poder Constituinte, entretanto, o seu exercício nem sempre tem se realizado democraticamente, portanto, preferimos atribuir a titularidade há quem detém a soberania, embora saibamos que nossa posição seja isolada.

Na dogmática tradicional, distingue-se a titularidade e o exercente do Poder Constituinte, onde nem sempre o titular é o exercente e, nem sempre o exercente é o titular.

Há um consenso teórico quanto aos exercentes (agentes), dizendo que são aqueles que exercem o Poder Constituinte em nome do povo, entretanto, tal exercício pode ser legítimo ou ilegítimo, portanto, as Constituições podem ser impostas (outorgadas) ou consensuais (promulgadas).

Os exercentes legitimados pelo povo surgem quando são eleitos para assembléias ou convenções constituintes, bem como, quando conduzem comandos revolucionários, encarregados de instauração de uma nova ordem social querida pelo povo (consenso). Já os exercentes ilegítimos seriam os lideres dos golpes de Estado, agentes não de um desejo de nova ordem social, de um querer do povo, mas autores de um movimento jurídico respaldado pela força.

Embora particularmente veja com clareza a distinção entre a revolução e golpe de Estado, entendendo que na primeira situação foi vencedor o povo através de seus lideres, que atendendo ao consenso da sociedade depuseram o tirano ilegítimo, enquanto que na segunda situação, no golpe, tal legitimação popular não existe, não sendo o movimento outra coisa senão usurpação do Poder em nome pessoal ou de um grupo, não é pacífica essa compreensão entre os autores. A propósito, o professor Nagib comenta, que “a distinção entre revolução e golpe de Estado é uma distinção que foge ao campo jurídico, devendo ser notado que disse alguém, humoristicamente, que a diferença entre o subversivo e o revolucionário é que o segundo foi vencedor”.

De tudo que, observe-se, entretanto, que nos três caso citados (assembléia, golpe ou revolução), houve exercício do Poder Constituinte, o que se questiona é se esse exercício é legítimo ou ilegítimo.


Espécies de Poder Constituinte

Ao poder de criar uma nova Constituição, uma nova ordem social, um novo Estado dá-se o nome de Poder Constituinte Originário. Enquanto que, ao poder que retira do próprio texto Constitucional suas forças para reformar esse mesmo texto, dá-se o nome de Poder Constituinte Derivado.

Segundo o professor Alexandre de Moraes, são características dessas duas espécies de Poder Constituinte:

Originário:

O Poder Constituinte caracteriza-se por ser inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado” (e permanente).
O Poder Constituinte é inicial, pois que sua obra – a Constituição – é a base da ordem jurídica.
O Poder Constituinte é ilimitado e autônomo pois não está de modo algum limitado pelo direito anterior, não tendo que respeitar os limites postos pelo direito positivo antecessor.
O Poder Constituinte também é incondicionado, pois não está sujeito a qualquer forma prefixada para manifestar sua vontade; não tem ela que seguir qualquer procedimento determinado para realizar sua obra de constitucionalização.
Ressalte-se ainda que o Poder Constituinte é permanente, pois não desaparece com a realização de sua obra, ou seja, com a elaboração de uma nova Constituição. Como afirmou Sieyès, o Poder Constituinte não esgota sua titularidade, que permanece latente, manifestando-se novamente mediante uma nova Assembléia Nacional Constituinte ou um ato revolucionário
”.

Derivado:

Apresenta as características de derivado, subordinado e condicionado. É derivado porque retira sua força da do Poder Constituinte originário; subordinado porque se encontra limitado pelas normas expressas e implícitas no texto constitucional, às quais não poderá contrariar, sob pena de inconstitucionalidade; e, por fim, condicionado porque seu exercício deve seguir as regras previamente estabelecidas no texto da Constituição Federal”.

Cite-se ainda o Poder Constituinte Derivado Decorrente, referente ao art. 25 da Constituição Federal, organizando os Estados-membros da federação, já anteriormente comentado. É decorrente do Poder Constituinte Derivado, sendo subordinado, condicionado e limitado.


Formas históricas de manifestação do Poder Constituinte originário

Podem-se relacionar historicamente algumas formas de manifestação do Poder Constituinte, ou seja, através de Assembléia Nacional Constituinte, revoluções, golpes de Estado, além do chamado método “bonapartistas”, ou “cesarista”, que se desenvolveu através de plebiscito. Refere-se a Napoleão Bonaparte. Ele editou as Constituições francesas (1799, 1802 e 1804), tal método consistia em perguntar ao povo, após a elaboração da Constituição, se estava ou não de acordo com o texto pronto e acabado. Sem dúvida, era uma farsa.

Quanto ao Poder Constituinte derivado, este só se manifesta através do órgão instituído pela Constituição, é ela que vai dizer como e quando poderá ser alterada.


Alteração da norma constitucional

A Constituição pode ser alterada de maneira formal (reforma), sendo por Revisão Constitucional ou por Emenda Constitucional, nos termos do art. 60 da CF/88, ou de maneira informal (mutação), através da interpretação ou aplicação dos usos e costumes constitucionais.

Quando a Constituição é alterada pela via formal, há alteração do texto constitucional, através de um novo comando editado pelo legislador constituinte derivado, ou seja, dentro dos limites traçados de conteúdo e, da maneira prescrita no próprio texto constitucional, poderá haver alteração do texto constitucional se assim quiser o titular do Poder Constituinte, através do órgão encarregado e autorizado para tal modificação.

Quando a alteração se dá pela via informal, não há modificação da letra da lei, havendo alteração do significado, alcance da norma ou do conteúdo constitucional em razão da interpretação ou aplicação dos usos e costumes.


Observamos que a Constituição de 1934 estabeleceu diferença entre emenda e revisão, sendo a primeira instrumento de alteração de alguns dispositivos do texto constitucional; e sendo a segunda um processo de alteração amplo, geral e ilimitado, teoria que não é perfeita vez que a revisão é produto do Poder Constituinte derivado e este, como já visto, tem como características ser secundário, condicionado e limitado. Na prática confundem-se os dois instrumentos de alteração, não sendo de maior importância essa distinção.

Outro ponto a ser considerado no trato das alterações do texto constitucional, são os limites dessas modificações. O legislador constituinte originário, estabeleceu limites ao poder de reforma do texto constitucional, assim, esse poder é absoluto, é limitado, porque é produto do Poder Constituinte derivado.

Três são as limitações ao poder de modificação do texto constitucional: a) limitação temporal; b) limitação circunstancial; e c) limitação material ( expressa / implícita ).


Limitação de ordem temporal – Algumas Constituições limitam a alteração da norma constitucional a um período temporal, com o objetivo de permitir a maturação do texto constitucional. Observe-se, entretanto, que no Brasil não há mais limitação temporal. A referência é feita ao nível de direito constitucional comparado.

No Brasil historicamente, podemos registrar a Constituição de 1824, onde no seu art. 174 falava em 4 anos para se poder modificar ou acrescentar emenda;

Art. 174. Se passados quatro anos, depois de jurada a Constituição do Brasil, se conhecer que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escrito, a qual deve ter origem na Câmara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte deles.

Também a Constituição francesa de 1741 possuia limitação temporal para aceitar sua alteração.


Limitação de ordem circunstancial – Inibe a alteração do texto constitucional diante da ocorrência de determinadas circunstâncias. Na Constituição brasileira temos a proibição de modificação de seu texto, durante a vigência de intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio (art. 60, § 1º). É medida garantidora dos princípios democráticos.

Limitação de ordem material – Inibe a alteração do texto constitucional em face de determinadas matérias. Segundo o Prof. Nelsom de Souza Sampaio, essas limitações podem ser expressas ou implícitas.

Exemplos:

Expressa - está localizada nas cláusulas pétreas – art. 60, § 4º da CF/88

Art. 60 - A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.

Implícita - está fora do poder de reforma , ainda que não explicitamente.

São 3 exemplos:

1º - Titularidade do Poder Constituinte originário (art. 1º, § único). motivo = princípios fundamentais e regime adotado pela Constituição democrática.

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.

Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.


2º - Titularidade do Poder Constituinte de reforma (art. 60 e § 2º da CF/88) motivo = princípios fundamentais e regime adotado pela Constituição democrática.

Art. 60 - A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

3º - Processo de reforma da Constituição – (Art. 34, VII, a, da CF/88) motivo = princípios fundamentais e regime adotado pela Constituição democrática. Forma Federativa de Estado.

Art. 34 - A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;


Natureza Jurídica do Poder Constituinte Originário

Quando se pergunta qual a natureza jurídica de alguma coisa, quer se saber o que aquela coisa representa para o Direito. Assim, abordando finalmente esse ponto, indaga-se qual a natureza jurídica do Poder Constituinte Originário.

É matéria controvertida. Para uns é poder de fato, para outros é poder de direito.

Seguindo-se a primeira corrente, pode-se afirmar que é Poder de Direito, isto porque o Poder Constituinte não está fundado em norma de Direito. Para essa corrente o Direito só é Direito enquanto norma escrita. Como antes do Poder Constituinte não existia norma não existia direito.

Se aceitarmos a segunda corrente, vamos dizer que a natureza é de Poder de Fato, isto sustentado em princípios de Direito natural. Para essa corrente, mesmo que houvesse norma escrita, já existia anteriormente o Direito, os homens se organizavam e se adequavam a normas naturais para a convivência.

3 Comentários:

Às segunda-feira, 13 março, 2006 , Blogger Unknown disse...

Ozéas,

Eu creio que tudo isso só funcione na prática, com um povo esclarecido dos seus direitos, você está tentando fazer isso, mas o povão só vai ter acesso a hora que tiver educação, o que não interessou a maioria dos governos que tivemos e menos ainda ao atual.
Boa semana,

Beijo

 
Às quarta-feira, 15 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Mestre: eu devia ter cursado Direito, não o fiz por falta de verba mesmo...rsrs. :-) Bjs, rumando para o desenvolvimento com Alckmin.

 
Às domingo, 09 novembro, 2008 , Anonymous Anônimo disse...

MESTRE.ESSES TÓPICOS EMPLEMENTADOS COM IDEIAS VARIADAS, FORAM ÓTIMOS PARA UM BOM INTENDIMENTO NA AREA PARA QUEM ESTA SE PREPARANDO PARA CONCURSOS. COMO EU ..VALEU!!

 

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